A Corrente

 Corrente 

Ensimesmado e taciturno, Germano 
de Figueiredo, sempre que chegava em 
sua casa, conduzia consigo o desânimo 
e a queixa. 
Não havia nada que o fizesse sorrir, e 
quando a isso se via forçado por alguma 
alegria inesperada, o máximo que 
conseguia era uma careta triste e um 
simulacro de sorriso desalentado. 
A princípio, sua esposa intentara de 
todas as maneiras alegrar-lhe a 
existência, mas baldaram seus esforços. 
Era o oposto do marido, vibrante e cheia 
de otimismo. Germano não sabia sorrir. 
Se uma boa surpresa ou um bom 
evento o atingia, dizia: 
- Não alimentemos ilusões. Sabe-se lá 
o que virá depois? 
E, se ao contrário, algum 
acontecimento desagradável o buscava, 
suspirava, dizendo: 
- Eu já sabia! Minha vida tem sido um 
acúmulo de sofrimentos... 
A esposa sacudia os ombros, 
resignada. Sabia que Germano não tinha 
motivos para ser tão pessimista. A vida 
sempre lhe decorrera equilibrada. Filho 
de família honesta e operosa do seio da 
classe média, recebera regular 
instrução, empregara-se bem, e se não 
possuía bens de fortuna, jamais havia 
sentido falta dos elementos principais da 
vida, jamais enfrentara problema 
doloroso de envergadura. Sua saúde era 
boa. No entanto, Germano ostentava 
verdadeira obsessão pelas coisas 
tristes, colecionando intimamente 
verdadeiras tragédias. 
Seus próprios filhos evitavam-lhe a 
companhia, e após certa resistência, a 
própria esposa desistiu de fazê-lo 
mudar. 
Entretanto, a vida, renovadora e 
amiga que é, resolveu escrever a lição 
apropriada. Chamou-o à realidade 
através da porta reveladora da morte. 
Germano desencarnou. 
E, se nosso amigo se julgava infeliz 
ao lado dos familiares no amoroso 
aconchego do conforto doméstico, 
encontrou então na solidão que o 
envolveu após o túmulo razões 
poderosas para lamentar-se ainda mais. 
Entretanto, por mais que tentasse, não 
conseguiu fazer-se pressentido. 
- Ai de mim - lamentava-se o infeliz -, 
meus sofrimento continuam mesmo 
depois da morte! Jamais terão fim! 
Sombras me envolvem por toda parte. A 
paisagem é triste e sombria... Quando 
conhecerei a alegria? 
Realmente, a paisagem que o cercava 
era infinitamente triste. Jamais via o sol, 
e o local para o qual era constantemente 
atraído, além de escuro, sombrio e sem 
vegetação, estava povoado por pássaros 
horripilantes e criaturas espectrais que 
procuravam sempre aproximar-se dele, 
que no paroxismo da angústia e do 
terror, fugia espavorido. Então, volvia ao 
lar terrestre, e a casa lhe parecia 
envolvida por espesso nevoeiro cinza-
escuro, os familiares encobertos por 
nuvens, como em terrível pesadelo, 
jamais consiguindo ouvi-lo, por mais 
que gritasse. 
Quanto mais se queixava e 
lamentava, mais depressa voltava ao 
local sombrio, recomeçando a estranha 
perseguição dos espectros e aves 
soturnas e a fuga desordenada e 
improfícua. 
Receando a loucura, Germano 
aprendeu através do medo e angústia a 
recorrer à prece, até que um dia foi 
recolhido em precário estado a um posto 
de emergência e socorro no plano 
espiritual. Atendido por médico 
dedicado, Germano ia começar a desfiar 
sua coleide tristezas quando o 
facultativo impôs-lhe silêncio, dizendo: 
- Detém tuas palavras. Conhecemos 
teu caso. Convém, teu próprio bem, que 
te prepares para receber o auxílio a que 
fazes jus, pelas preces de teus amigos e 
por acréscimo da bondade do Senhor. 
Vem comigo. 
E parecendo ignorar que Germano se 
arrastava com dificuldade, conduziu-o à 
pequena sala, acomodando-o em 
confortável poltrona. 
- Agora Germano, vamos estudar o 
teu caso. Dizes sempre que não gozaste 
nenhuma alegria e que só de tristezas foi 
tua vida 
- Sim - concordou ele. - Sofri muito. 
Só, velho e doente. 
- E na mocidade, foste feliz? 
- Nem um pouco! Sofri sempre 
inúmeras desilusões. A vida me foi 
pesado fardo. 
- E a infância? - continuou o mentor 
com ligeiro sorriso. 
- Triste - suspirou Germano. - Tão 
triste que nem gosto de recordá-la! 
- Entretanto, meu amigo, as 
informações que temos diferem 
fundalmente. Vejamos. 
Ligando delicado aparelho a um 
canto da sala, Germano, boquiaberto, viu 
aparecer em sua tela, como em um 
cinema, a velha e solarenga casa onde 
residiam seus pais antes da época do 
seu nascimento. Assistiu emocionado ao 
carinho e à alegria de sua mãe 
preparando-lhe amorosamente o enxoval 
delicado. Seu pai, radiante e orgulhoso 
com sua vinda. Depois, viu-se 
pequenino, entre a alegria e a felicidade 
geral, senhor das mais caras atenções. 
Menino, depois adolescente, e essas 
sucessivas recordações banhavam-lhe o 
espírito perturbado com funda emoção. 
Reviu seu casamento, as alegrias 
sublimes da vida e do convívio em 
família, e no esforço dos familiares para 
envolvê-lo em uma aura de alegria e 
serenidade, no decorrer das cenas 
sucessivas, começou a notar que ele 
aparecia sempre em contraste, 
insatisfeito e triste, temeroso e infeliz. A 
revivência do passado despertou nele a 
sensação do quanto aquele tempo tinha 
sido feliz. Em confronto com a realidade 
dura que enfrentava, e levado pela 
rememoração emotiva, chegou a 
antipatizar consigo mesmo nas cenas 
que assistia, voltado incessantemente 
ao pessimismo diante das mais caras e 
suaves alegrias. 
Ao término, o dedicado médico e 
instrutor espiritual o inquiriu: 
- E então? Qual o teu veredito? 
Envergonhado, Germano admitiu: 
- Não posso dizer que tenha sido 
infeliz. Afinal, aqueles foram bons 
tempos! Gostaria de regressar! 
O médico sorriu, bondoso: 
- Por ora é impossível. Entretanto, se 
deseja o breve retorno à face da Terra, 
só há um jeito. 
- Qual? 
- A inscrição num curso de bom 
humor. Não ignoras que o pensamento é 
uma força viva e ativa. As vibrações 
negativas que alimentaste durante 
tantos anos atraíram junto ao teu 
convívio grande quantidade de espíritos 
sofredores e infelizes, que se 
alimentavam dos teus pensamentos 
depressivos, formando a teu comando 
extensa corrente. Criaturas que tens 
visto ao teu redor e te apavoram pela 
profunda tristeza que demonstram. Não 
podes voltar agora à Terra porque não 
terias forças para vencer o círculo 
vicioso eu que te colocaste, agravando e 
inutilizando as mais profícuas e 
operosas oportunidades que te fossem 
oferecidas. Necessitas primeiro de 
estagiar em prolongado curso de bom 
humor, onde aprenderás a encontrar a 
alegria dentro de ti mesmo e nas mil e 
uma ocasiões que a vida nos oferece no 
cultivo do bem. E, quando tiveres 
armazenado boa dose de alegria, 
poderás voltar e estabelecer novo lar 
terrestre, onde deverás receber por 
companheiros não aqueles que amas e 
que agora estão temporariamente 
afastados de ti, mas os que aliciaste e 
aos quais te ligaste pela onda de tristeza 
voluntariamente cultivada. Terás que 
aprender a sorrir e a olhar as coisas 
belas da vida, apesar da triste corrente 
que prendeste ao teu espírito e da qual 
de pronto não poderás te libertar. 
Abatido, mas humilde e dignificado 
por pensamentos novos, Germano 
considerou: 
- Em que condições deverei voltar? 
- Em condições justas, no campo 
vibratório que teceste durante tanto 
tempo. Tiveste um lar alegre e feliz, não 
o valorizaste. Filhos normais e 
inteligentes não te deram alegria. Vida 
equilibrada e pacífica e não te sentiste 
feliz. Tranqüilidade financeira e não 
aproveitaste o tempo no cultivo dos 
valores espirituais. Por determinação 
dos ajustes do passado, credores de 
outros tempos se aproximaram de ti em 
busca do equilíbrio, e tu os aliciaste à 
corrente da tristeza, arrojando-os ainda 
mais na perturbação e no desequilíbrio. 
Justo, portanto, que no lar que será de 
luta para manutenção financeira, os 
recebas como companheiros e 
familiares, e se conseguires reconduzi-
los ao caminho do equilíbrio e da alegria, 
terás conseguido romper a dolorida 
corrente que tanto te incomoda. 
Poderás, então, ser feliz e liberto, 
reencontrando os que amas. 
E num gesto carinhoso, mas 
enérgico, o mentor concluiu: 
- Vai meu amigo. Busca recuperar, no 
recomeço difícil, o tempo perdido.

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